DRA. LORENA MADEIRA – JORNAL DIÁRIO DO NORDESTE – CARÊNCIA IMUNITÁRIA.


por Arabella Ozols

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Seja por pré-disposição genética ou doenças tópicas, é preciso manter a imunidade a fim de evitar infecçõesComo funciona o sistema imunológico, quais suas funções e qual o papel dos anticorpos nesse processo?


As superfícies mucosas representam uma extensa área de interface entre os ambientes externo e interno do organismo. Elas agem como uma barreira à entrada de componentes nocivos, mas permitem a troca de gases, a absorção de nutrientes e água, a eliminação de metabólitos (o que resta do metabolismo das substâncias nos organismos vivos).Por isso, as mucosas estão totalmente integradas ao sistema imune. Diariamente, por meio da alimentação, respiração e contato com o ambiente, entramos em contato com grande quantidade e variedade de proteínas e outras moléculas estranhas ao nosso organismo que podem despertar uma resposta imune, além de partículas e micro-organismos potencialmente patogênicos. As mucosas também são povoadas por uma rica microbiota natural (micro-organismos) e não patogênica. O organismo não só convive em perfeita harmonia com essa microbiota, mas também depende dela para digestão de certos componentes da dieta, obtenção de nutrientes, síntese de vitamina k. Essa manutenção de uma ecologia intestinal dificulta a colonização de micro-organismos patogênicos. Portanto, a microbiota exerce papel fundamental no desenvolvimento do sistema imune das mucosas. As células, que constituem o sistema imune, se distribuem ao longo do corpo predominantemente nos órgãos linfoide, considerados centrais (timo e medula óssea) ou periféricos (baço, linfonodos e os tecidos linfoides). O sistema imune nos garante a defesa contra micro-organismos que temos contato, seja direto na pele, inalação pelas vias aéreas ou ingestão durante a alimentação. Ele também pode ser ativado pelas vacinas imunizantes que estimulam a produção de anticorpos evitando as doenças.


“O sistema imune nos garante a defesa contra micro-organismos que temos contato, seja direto na pele, inalação pelas vias aéreas ou ingestão durante a alimentação”, diz a médica Lorena Viana Madeira Foto: KLÉBER ALVES GONÇALVES


Existem pessoas mais predispostas a terem a imunidade mais baixa do que outras? Por quê?


Sim. Existem várias doenças de sistema imune, já reconhecidas em decorrência dos grandes avanços nas áreas de imunologia, biologia molecular e imunogenéticas. Como existem tantas diferentes, as imunodeficiências acabam representando um problema de saúde importante e ocorrem com uma frequência comparável a de leucemia e linfoma, sendo mais frequente que a fibrose cística. Há doenças de imunodeficiência primárias e secundárias. A primária é genética. Assim, o indivíduo já nasce predisposto a tal carência imunológica. Entre as doenças apresentadas, estão as infecções recorrentes na infância, principalmente em crianças que frequentam creches e escolinhas; exposição passiva à fumaça de cigarro; doenças alérgicas; rinite alérgica; asma brônquica; dermatite atópica; defeitos anatômicos; corpo estranho; refluxo gastro-esofágico ou refluxo faringo-laríngeo; fibrose cística. Já as secundárias têm como causas principais: desnutrição; AIDS; uso de medicamentos imunossupressores; enteropatias perdedoras de proteínas (doenças intestinais inflamatórias); síndrome nefrótica (conjunto de sinais e sintomas relacionados a doenças renais); anemia falciforme; asplenia (referente ao não funcionamento do baço); hipovitaminose A; deficiência de zinco, lúpus; neoplasia (câncer); além de queimaduras e fraturas expostas.


Quais os principais sintomas que surgem devido a baixa imunidade e por qual motivo ocorrem?


Os quadros respiratórios são as infecções mais frequentes nos pacientes suspeitos de imunodeficiência e devem ser avaliados com cuidado, pois resultam em complicações como sinusite crônica, otite, mastoidite (infecção no osso temporal mastoide) e bronquites. A bronquiectasia (infecção nos brónquios) pode também se desenvolver precocemente, resultando na eliminação de secreção purulenta e tosse persistente. Quando os sintomas de infecções respiratórias ocorrem com frequência, os quadros alérgicos devem ser investigados. Caracterizam-se por ausência de febre, coriza clara não- purulenta ou outros sintomas alérgicos e história familiar positiva para alergia. Infecções bacterianas graves (pneumonia, septicemia, meningite, osteomielite – inflamação óssea) podem acompanhar os quadros respiratórios dos imunodeficientes. Diarreias, má absorção alimentar, vômitos, por vezes acompanhados de retardo do crescimento e pouco ganho de peso, sugerem a ocorrência de imunodeficiência de maior gravidade. A pesquisa de dados epidemiológicos sugestivos de infecção pelo HIV, como transfusão sanguínea dos pais ou na criança, uso de drogas ou promiscuidade por parte dos pais deve ser sempre incluída. Algumas imunodeficiências são detectadas em crianças aparentemente saudáveis. A hipotrofia dos órgãos linfoides (pouca nutrição dos órgãos que originam as células imunes – linfócitos) também deve ser reconhecida. O fígado e o baço podem estar aumentados. Algumas doenças imunológicas são acompanhadas de anomalias no desenvolvimento da face, esqueletos, coração e pigmentação da pele. Lesões cicatriciais de abscessos cutâneos, micose superficiais persistentes, petéquias (pontos pequenos causados por leves hemorragias) ou rash cutâneo crônico (erupções cutâneas) podem estar associados à imunodeficiência.


Faça uma avaliação dos riscos e benefícios das imunizações (vacinas), nos pacientes com imunodeficiência:


A prescrição de vacinas para os imunocomprometidos deve ser feita com base na avaliação dos riscos e benefícios da imunização. Normalmente, as vacinas são contraindicadas a indivíduos que apresentam doença moderada ou grave, como imunodeficiência congênita combinada ou imunodepressão secundária e quimioterápica, radioterapia ou neoplasias malignas. Nessas condições a administração de vacinas contendo micro-organismos vivos apresenta alto risco com efeitos adversos (incluindo óbito), devido à disseminação dos agentes vivos atenuados. Além disso, na imunodepressão grave, observam-se baixa imunogenicidade (resposta à produção de anticorpos) das vacinas e rápida queda nos títulos de anticorpos. Por outro lado, os imunodeprimidos compõem uma população de altíssimo risco para infecções causadas por diversos micro-organismos. Por isso, mesmo com baixa eficácia, algumas vacinas podem vir a beneficiá-los. Caso das vacinas com agentes vivos (BCG, sabin, sarampo, caxumba, rubéola, varicela, febre amarela, febre tiroide, rotavírus).


Há relação entre baixa imunidade e quadros alérgicos?


Geralmente, as pessoas tendem a achar que pacientes alérgicos têm baixa imunidade. Na verdade, nas doenças alérgicas ocorre uma desorganização do sistema imunológico. Os alérgicos produzem muito o anticorpo E (IgE). Isso leva a um processo inflamatório crônico que pode predispor a infecções de repetição. Então, devemos valorizar os sintomas alérgicos e tratá-los precocemente para evitar complicações. Os pacientes com rinite podem evoluir para sinusite e otite de repetição, pneumonia e aumento de risco de asma. Os pacientes com dermatite atópica podem ter infecções na pele por bactérias, fungos e vírus que pioram as lesões e a coceira da pele. Mas a deficiência seletiva de IgA e deficiência de subclasses de IgG estão frequentemente associadas a quadros alérgicos como asma brônquica. Outras imunodeficiências também cursam com quadros cutâneos e eczemas.


Quais doenças ou síndromes estão associadas à imunodeficiência? Como é possível contornar a imunodeficiência nesses casos?


Para contornar ou melhorar as imunodeficiências secundárias é necessário o reconhecimento e tratamento da doença de base. Muitas imunodeficiências associadas a doenças genéticas e alterações em um único gene ou uma combinação de defeitos podem ser a causa do defeito imunológico. A síndrome de Down apresenta características clínicas conhecidas com chances elevadas de infecções, que sugerem alterações imunológicas: redução da atividade de fagócitos e do número de anticorpos, que podem se originar ao longo da vida, e se assemelhar àqueles presentes no envelhecimento. Nos diabéticos, as principais alterações imunológicas incluem anormalidades na função antibacteriana dos polimorfonucleares, descritas como alterações nas etapas da função fagocitória e função microbicida.


Como a amamentação exclusiva nos primeiros 6 meses do bebê auxiliam na imunidade? Uma dieta inadequada nesse período pode causar problemas futuros de imunodeficiência?


O aleitamento materno protege o lactente durante a vigência da lactação através de uma proteção passiva (anticorpos prontos da mãe para o bebê), diminuindo as infecções, principalmente diarreias agudas e persistentes, septicemias (infecções generalizadas), doenças respiratórias e reduzindo a taxa de mortalidade infantil. Além de produzir efeitos a longo prazo diminuindo o desenvolvimento de alergias. A microflora intestinal da criança amamentada é peculiar. Componentes prebióticos presentes no leite humano estimulam a proliferação de bactérias benéficas, reduzindo o ph intestinal e inibindo a proliferação de bactérias patogênicas. O estabelecimento de uma boa microflora nos primeiros meses de vida tem a capacidade de favorecer a maturação do sistema imune da criança com repercussão a curto e longo prazo. O leite humano apresenta anticorpos contra inúmeros micro-organismos com os quais a mãe entrou em contato durante toda a sua vida (memória imunológica). Então, existe um trânsito de células de defesa com níveis elevados de anticorpo dirigidos aos patógenos (micro-organismos, bactérias e vírus) causadores de gastroenterites e doenças respiratórias. Já uma dieta inadequada nesta fase da vida (primeiros 6 meses) pode não levar a uma imunodeficiência, mas esse recém-nascido pode ser exposto a vírus ou bactérias e, por isso, ter maior risco em adquirir infecções, desenvolver doenças alérgicas crônicas e ter um processo de crescimento com complicações.


O que recomenda para manter a imunidade em boas condições?


Aleitamento materno; vacinação em dia (em recém-nascidos, bebês, crianças, adolescentes, adultos e idosos). Alimentação saudável e atividade física são fundamentais nesse processo, além das formas de prevenção (tratamento de doenças crônicas – anemias, diabetes, desnutrição, doenças alérgicas, cirroses, AIDS, etc). Também é aconselhável evitar a automedicação, a privação do sono e o estresse, sem falar do uso de drogas ilícitas, do tabagismo e do alcoolismo.


SAIBA MAIS


Vitamina A – Sua deficiência leva à diminuição da imunidade celular e da resposta à imunização. A carência de vitamina A está relacionada ao aumento da gravidade e mortalidade por doenças infecciosas.


Vitamina B – A deficiência de vitaB6 está associada às alterações imunológicas em idosos, portadores de HIV, artrite reumatoide e uremia.


Vitamina C- Sua deficiência afeta a imunidade celular (ação leucócitos “soldados brancos”) e humoral (anticorpos).


Vitamina D – É considerada a maestrina da imunidade.


Vitamina E – Protege as células contra toxinas e radicais livres, responsáveis por infecções virais.


FIQUE POR DENTRO


Diferenças entre imunidade inata e adaptativa


Segundo a diretora do Centro de Pneumologia e Alergia do Ceará e da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia, Lorena Viana Madeira, manter a vida dos diferentes seres vivos implica na necessidade de mecanismos de defesa. A capacidade de combater diversos agentes patogênicos é denominada imunidade.


A imunidade inata é aquela em que as células fagocitárias promovem a ingestão do agente patogênico, que gera a desintegração do agente fagocitado, impedindo a disseminação. Ela pode ser potencializada pela via alternativa do complemento (proteínas que produzem reação semelhante à coagulação), atuando como coadjuvante no processo de eliminação dos micro-organismos indesejados. Desse modo, mais células inflamatórias melhoram a agressão ao patógeno (micro-organismo, parasitas, células neoplásicas) e amplificam a capacidade defensiva.


Já a imunidade adaptativa é a habilidade de adaptar-se aos agentes agressores e responder de modo rápido e eficaz a um segundo contato. Essa resposta imune adquirida apresenta um caráter cognitivo, ou seja, aprende com a experiência e tem memória, garantindo longa expectativa de vida. “O sistema imunológico do ser humano depende dos dois ramos: o Inato e o Adaptativo”, diz a presidente da Câmara Técnica de Alergia e Imunologia do Conselho Regional de Medicina do Ceará (CREMEC).

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